terça-feira, 25 de setembro de 2007

Carrilho e as reformas

Manuel Maria Carrilho defende, na edição de hoje (25 de Setembro) do ‘Diário de Notícias’, as suas propostas, mais ou menos teorizadas, com vista à prossecução da reforma e ao engrandecimento da máquina partidária, em particular, a do Partido Socialista. No dia de ontem (24 de Setembro) num primeiro artigo que serviu como exercício introdutório à sábia prosa agora apresentada, Carrilho acabou por defender que o PS precisava de criar “blogs” temáticos com vista à plena discussão e profícua manifestação de ideias dentro do partido. Referiu-se ainda o douto ex-ministro a um “think tank de referência” e elaborou mais, falando em “estruturas leves, lusófonas, internacionais”. Ora esta apresentação encontra semelhanças num dinâmico clube de ideias, em que os benefícios de ser membro costumam ir muito além do contentamento e compensação intelectual, em que a médio prazo poderemos até, quem sabe, garantir algumas benesses futuras, como um desconto nas quotas, ou até mesmo um benefício mais ou menos claro, mais ou menos prático para os seus membros, ou para algum seu familiar. Esta elaboração livre sobre o raciocínio de Carrilho encontra paridade na dissertação apologética do governo e da sua maioria absoluta feita pelo ex-ministro, na coluna de hoje.
Após o andamento de retórica na parte introdutória, Carrilho discorre sobre o messianismo do governo de Sócrates. O défice surge à cabeça, com a referência plausível de que este deverá situar-se perto dos 3%, mas continua com as garantias públicas de que a segurança social está hoje a caminho de uma plataforma sustentável, algo em que nem todos têm que acreditar. Os méritos continuam ser desfiados, com a alusão ao crescimento repartida na varinha mágica do governo, e isto apesar da dúbia e periclitante situação económica mundial, com o euro em valores nunca antes vistos em relação ao dólar, e com todas as consequências nefastas que daí advêm para a economia europeia. Carrilho refere depois que os portugueses estão satisfeitos com os resultados do e-government e com a crescente desburocratização, e que estão expectantes em relação à reforma do Estado, mas a verdade é que não. As dificuldades concretas em resolver problemas práticos continuam a ser reais, e as opções estratégicas tomadas são sempre as mais infelizes, como o encerramento de maternidades e centros de saúde. As opções deveriam antes passar pelas medidas de fundo, como a rápida e eficiente capitalização desses mesmos serviços, por exemplo através da criação de incentivos de facto para a fixação de populações nas áreas em questão. Quanto ao novo aeroporto, basta referir a tomada em mãos por parte de Sócrates de um dossier que tem tanto de cómico como de trágico. O cómico provém da postura inerte de Mário Lino, e o trágico devido aos números abjectos envolvidos numa infra-estrutura cujos benefícios a longo prazo são certamente menores que aqueles encontrados num investimento bem menor numa área como a formação.
O governo Sócrates já teve o seu canto do cisne, e a partir de agora, os sinais da decadência vão apenas tornar-se mais corrosivos. As óbvias justificações de Luís Amado sobre a não-recepção oficial ao Dalai Lama, o novo Estatuto do Jornalista votado pela maioria no Parlamento, a concentração do domínio das polícias no futuro coordenador de todos os orgãos da polícia criminal em dependência directa do primeiro-ministro, o ímpeto despropositado na aplicação do programa de troca de seringas nas prisões, todos estes “pequenos” episódios são afinal parte da sonolenta crónica que vai fazer-se do governo de maioria rosa que conseguiu diminuir o défice, mas que nunca conseguiu reformar. Carrilho tem apenas vontade, do alto do seu potentato verboso, de promover o embelezamento do inadiável através de uma didáctica apresentação em três episódios de uma hipotética reforma do aparelho partidário.

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