quarta-feira, 14 de maio de 2008

O serviço público e o homem das trufas

No dia de ontem (13 de Maio), fazendo jus ao espírito laico e democrático da aura do Governo de Sócrates, por volta das 21h, foi exibido no canal 1 da RTP mais um programa do "Sentido do Gosto" do senhor José Bento dos Santos. Dias depois de mais uma publicitada campanha do Banco Alimentar Contra a Fome, e minutos depois de vermos anunciada mais uma subida do preço dos combustíveis, o senhor Santos apareceu na televisão a fazer a apologia de receitas elaboradas com trufas cujo preço por quilograma ascende aos seis mil euros. Enquanto ouvia o senhor falar com a iluminada sexual Marta Crawford, questionava-me sobre até onde vai o serviço público para fazer esquecer as agruras dos orçamentos familiares, fazendo-nos pensar em coisas mais espirituais como as tais trufas brancas ou pretas cujo preço por kilo chega aos valores já mencionados.

Pondo de parte a dose de sarcasmo que é necessária para ver fenómenos destes apenas como desvairos diletantes não gosto de saber que o valor que pago todos os meses como *contribuição para o audio-visual* na conta da EDP é usado para pagar ao senhor Santos para falar de trufas de seis mil euros. O senhor Santos estaria bem num canal privado, a falar de trufas de seis mil euros num horário que não o nobre, num canal público, que é sustentado por todos os contribuintes e utilizadores de electricidade. A presença do senhor Santos revela tão só a postura surda e elitista de uma classe que não tem já vergonha de assumir um figurino jocoso para com uma classe média cada vez mais depauperada.

4 comentários:

Anónimo disse...

Mas ainda existe classe média em Portugal?

B.

heitor disse...

Fiquei de boca aberta e olhos esbugalhados, na noite de 13 de Maio, a assistir ao novo milagre lusitano: trufas para o povo.
Ainda melhor do que o velho Cozinho para o povo, que em tempos nos foi dado por Herman José.
Jorge Heitor Lisboa

Anónimo disse...

Os comentários avassaladores contra a mostra de trufas só mostra a exarcebada pequenez e mesquinhice de Portugal. Usando a actual situacao de crise a nivel internacional como argumentacao, muita gente criticou fortemente um homem que só pretendia dar a conhecer ao publico uma cozinha que nao está ao alcance de muitas pessoas, usando um igrediente que nao é acessivel. Só porque nao é acessivel, isso é razao para nao dar a conhecer? Para isso, José Hermano Saraiva nao falaria de historia, visto que muitos Portugueses nao tem possibilidades de viajar por Portugal e visitar o nosso patrimonio. Mas vejamos uma coisa, num país como o nosso que só pensa em futebol, porque é que ninguem faz, com a mesma veemencia, uma critica aos escandalosos salários de jogadores e dirigentes de futebol? ésses sim, podem comer trufa quase todos os dias, mas como a ignorancia e a falta de cultura grassam em muitos desses "novos ricos" eles se calhar nem sabem o que é trufa...

Guilhotina Pensadora disse...

Meu caro Gentil Costa

Pelos vistos os cerca de €3,80 que paga como contribuição para o audio-visual todos os meses na conta da EDP não lhe pesam no orçamento. Pondo de parte o carácter missionário e de divulgação do senhor Santos, qual iluminado gastronómico, eu assumo a minha pequenez ao dizer que não preciso que um canal público, em horário nobre, me atire à cara receitas com trufas de 6 mil euros o quilo. Quanto ao José Hermano Saraiva, que eu saiba nunca visitou palácios faustosos cuja entrada fosse condicionada por cartões bancários com mais ou menos plafond.